Por falta de um colega meu que costuma dar expressão plástica, coube-me a mim a tarefa de ocupar essa horinha. Ora... eu não percebo mesmo nada de expressão plástica e, admito, não tenho qualquer jeito. Vou gostando de dar um ou outro rabisco e sempre gostei de pintar, mas tudo o que insira colagens e recortar, é incompatível com a minha (in) competência na área. Por isso, lá lhes pedi que pegassem numa folha e que, em dois espaços distintos, desenhassem um momento feliz e um momento triste da sua vida. No final, estavam convidados a partilhá-las com o grupo.
Fiquei espantada com a dificuldade inicial em cumprir a tarefa! Não pela dificuldade do desenho, não pela exigência artística da coisa, mas pela dificuldade em pensarem de facto em coisas menos positivas. Houve um ou dois que se chegaram a mostrar muito zangados com a tarefa. Explique-lhes que nós temos pequenas gavetas cá bem dentro de nós e que , muitos de nós, escolhemos pôr as coisas feias nas gavetas mais fundas e escuras, mas que não é por isso que elas lá deixam de estar, e que essas gavetas arranjam sempre uma forma, de se escancararem, às escondidas, quando menos esperamos. É uma espécie de marotice traquina, que as impedem de estar quietas. E, por isso, é sempre melhor sermos nós, no nosso tempo, a escolhermos quando as desejamos abrir, para não sermos surpreendidos, com teias de aranha. Contudo, com a banda sonora certa, ( sim que eu tenho fama de andar sempre com a música às costas), e com uma partilha minha, lá se foram sentindo mais confiantes para falarem das suas experiências e, a que de mais falaram, foi a experiência de morte. Especialmente dos seus animais.
Tenho tentado trabalhar, desde o inicio deste ano, com estes miúdos em Dinâmicas de Grupo, a questão da partilha, do espírito de união, da justiça e desigualdade social e, acima de tudo, criatividade. O que tenho aprendido com eles é que o mundo de hoje em dia, não lhes dá tempo para pensarem. Não lhes dá tempo para reflectirem, nem para procurarem informação. Não lhes dá tempo para quererem, desejarem serem felizes. É tudo momentâneo e impessoal. Exige-se deles trabalho, trabalho, trabalho. E torna-se o Aprender num trabalho das 8 às 18, mais as horitas de fim-de-semana e os pequenos intervalos ( ufa que sorte)! de actividades extracurriculares. Se algum pai esta a ler isto tudo que para aqui escrevo, peço: Parem um minuto. Respirem fundo. Sintam o que está à vossa volta e deixem os vossos filhos fazerem o mesmo. Vocês estão a castrar os vossos filhos, estão a condená-los às vossas vidas de corre- corre e de faz-de-conta que sou feliz.
Depois são as crises de ansiedade, a hiperactividade, os problemas comportamentais... e são eles que têm que ir ao psicólogo ou ao pedopsiquiatra. São eles que são catalogados como mal-comportados, hiperactivos, com dificuldades de aprendizagem, quando lhes tiramos todos os dias a possibilidade de perceberem que o Pensamento e a Criatividade é que os fará tornarem-se em pessoas mais fortes e úteis e não o que foi dito na aula x pela professor Y, sobre a matéria z. Estes não são mais que os sintomas de uma doença cultural, cuja virose é transportada, a todo o gás, pelos próprios pais. E somos nós que estamos a perder este potencial. Somos nós, Mundo, Sociedade, Familias, Escolas. Porque não há maior dádiva do que as crianças transportam, ainda, consigo: A capacidade de aprender de forma divertida, de amar porque sim, de ser feliz com pequenas coisas.
E, é por isso, que apesar de andar exausta, eu adoro trabalhar com estes miúdos. Porque nunca deixam morrer a grande criança que há em mim.
Hoje ganhei o dia com:
Menino 1:Sabes, o meu cão morreu envenenado..
Menina: Susy, o meu momento mais triste foi também quando a minha gata morreu!
Menino 1: Menina, queres a minha gata?