domingo, 18 de janeiro de 2009

Porque este blog também pretende prestar algum serviço público..




Aqui a vai a entrevista que me foi feita por uma estudante de Comunicação social da Universidade de Coimbra:


Sabe
porque razão foi para a adopção?

Fui para Adopção porque passei por um abandono e rejeição por parte da minha progenitora.

Com quatro anos sabia o que se passava, com todo o processo, mudança de casa e tudo o resto?
A forma como uma criança aos 4 anos vê e percebe a vida é um pouco menos simplista do que se possa pensar. Recordo-me de um dia em que ia de mão dada com a minha ama ao chegar à escola, olha para uma das meninas com que costumava brincar durante o dia que vinha de mão dada com a avó. E lembro-me de pensar porque não tinha eu uma avó e muito menos uma mãe. Tinha a noção que estava ali porque não tinha família, sentia-me triste com isso mas não percebia claramente os condicionalismos de tal vivência.

Quando lhe contaram que era adoptada?
Permita-me a (im)pertinência de a corrigir. Eu não era adoptada. Eu tinha sido adoptada. Hoje, eu Fui adoptada. Os tempos verbais e os conceitos fazem grande diferença no modo como vemos e catalogamos as coisas. O termo adoptado, é um momento, depois desse momento vem todo um processo, mais ou menos longo depende das particularidades de cada um.
Eu sempre soube que tinha uma vivência distinta. Talvez nos primeiros tempos tudo surgisse de forma meio enevoada e desconstruida ao nível da minha consciência, mas foi algo que tinha presente. Os meus pais sempre tiveram a inteligência de o abordar de forma clara e sem qualquer tipo de inibições. Não houve, por si só, uma revelação ou o dia D. Foi um processo de questionamento liberal sobre os Porquês? os Comos? e os Quandos?. Um processo adaptado à minha realidade etária.

Qual foi a sua reacção?

Não houve uma reacção, existiu sim uma crescimento pessoal que culminou na aceitação da rejeição como um fenómeno de responsabilidade não partilhada. Esse processo de maturação passou por fases de revolta, frustração, raiva, falta de amor próprio. Momentos esses necessários e plenos de normalidade. Foram-se intercruzando com os típicos momentos de desenvolvimento, com as minhas características pessoais e com as normas societais que regem o meu dia-a-dia. Não foi um momento de descoberta, foi um processo de descoberta e de busca interior. Intenso, por vezes perturbador mas muito enriquecedor e que dita a pessoa que gosto de ser hoje.

Por ser de origem africana alguma vez se sentiu discriminada?
Em nenhum momento senti alguma discriminação por ser de origem africana. Sublinho que os meus pais são os tipicos caucasianos aportuguesados e que há vinte anos eram pioneiros. em todo esta realidade. A discriminação vai acontecendo todos os dias em que me dizem " e os teus verdadeiros pais? Não os queres conhecer". Está implícita naquilo que socialmente está normatizado para o que é, de facto, uma familia e especialmente para aquilo que não é. Hoje em dia começa a ser até bem visto a tipica familia benetton, o problema é quando se fala de crianças das crianças ditas pretas retintas. Arrepia-me a espinha quando oiço dizer " Ai como eu adorava ter um filhinho chinesinho"... é a familia como o espelho da consciência estética societal. Uma criança é uma criança em qualquer parte do mundo. Amarelo, branco, vermelho, assim-assim ou preto retinto.

Conhece a sua família biológica? Ou gostaria de conhecer por curiosidade? Porquê?
Nunca tive qualquer contacto com a minha familia biológica. Com a excepção do meu irmão, com quem partilho o tal principio de consanguinidade. O desejo de conhecer a minha familia biologica centrou-se apenas nos meus irmãos e não por uma questão de identificação mas sim de um sentimento de co-responsabilidade perante o desfasamento entre o que eles mereciam ter e as oportunidades das quais eu usufruia. Sentia-me simultaneamente responsavel e culpada pelo que não lhes acontecera e vivia a debater-me com esse sentimento misto de impotência. Foi algo que consegui resolver internamente quando me consegui libertar do contracenso de acreditar no valor pleno dos laços de amor e no valor imposto pela superioridade genética defendida pela sociedade em que habito.

Adoptaria um dia uma criança?
Eu desejo com todo o coração ser mãe. Como me assumo defensora dos laços de amor e tenho os braços abertos para quem neles procurar colo e um simples " amo-te de coração" é claro que pretendo um dia recorrer à adopção. Espero que nesse dia à espera não seja tão longa como hoje em dia.

Como psicóloga acha que o meio envolvente e o modo como é criada uma criança pode "apagar" os vestígios dos maus tratos passados, se for o caso?
O contexto é uma fonte de dor mas é também uma fonte de cicatrização. O principio é o de que nada há para apagar. Tudo faz parte de nós, porque somos individuos inteiros, e o tempo é um processo continuo que não deve ser refractado em presente, passado e futuro. Somos unos, e nesse unidade devemos compreender, integrar e viver em paz como o que Somos. A educação é uma forma de amor e o amor que se encontra após o temporal da rejeição e do abandono no seio de uma familia intencional e conscientemente vocacionada para o amor são fundamentais. Eu não tenho a pretensão de apagar seja o que for na minha história porque ela faz demim a pessoa em que me transformei hoje e faz-me transbordar de amor de cada vez que olha para familias que passaram como eu por este processo e que são como um espelho demim e da minha familia. Também elas não têm a pretensão de apagar nada. Porque não há nada para apagar, tudo há para amar.

Como pode o amor disciplinar uma criança?
O amor disciplina na sua incondicionalidade. Na aceitação das intempéries, das virtudes e das particularidades de cada um. Disciplina na aceitação da imperfeição. E ama-se assim. É assim que estes pais amam todos os dias. Incondicionalmente. Nos momentos mais devastadores, nos momentos de maior ternura. É assim que se disciplina. Com amor. E estes pais, estas familias estão especialmente vocacionadas para a cura através do amor. Porque é ele a sua maior ferramenta. Porque tudo o que fazem, as decisões, os momentos de espera e de aflição, as gravidezes que se prolongam durante anos, os processos de avaliação a que se sujeitam só o fazem porque têm amor para disciplinar, para crescerem e ajudarem a crescer.

Qual o momento adequado para contar a uma criança que é adoptada?

Desde sempre. A camuflagem devirtua a verdade e a vivência que cada um faz dela. Negativiza, cria gaps de comunicação. E mais uma vez chamo a atenção para a utilização do tempo verbal. O processo de adopção termina quando se atinge um estado de vinculação. Estas crianças são filhas no coração desde sempre. Antes de ser já eram. O tabus, as meias-verdades envenenam a relação. Retiram-lhe a base de segurança que devem ostentar. Claro que deverá sempre existir um cuidado quanto à forma como se vai gerindo e respondendo às questões, devendo existir um ajustamento à particularidade da criança em causa. À idade, ao momento de maturação, às suas fragilidades. A informação deve ser indo gerida com cuidado mas sempre, sempre com verdade.

Como é que um adoptante deve encarar todo o processo?
Com persistência, com resiliência. E esse principio de resiliência aprende-a todos os dias com estas crianças, que são o maior exemplo de resiliência que a sociedade conhece. É um processo adaptado à realidade cada um e às particularidades de cada familia. O amor trabalha-se. O amor vive-se dia-a-dia. Nem sempre se vive um amor à primeira vista. Não romantizemos as coisas. E nada nisso há de errado. O amor constrói-se na vivência partilhada. Por isso vivam com paciência, com paz de espírito e com amor. Munam-se de informação, criem uma boa rede de apoio social e combatam o isolamento.

Concorda que o período de acolhimento é a fase mais importante de todo o processo? Porquê?

Todas as fases do processo têm a sua relevância. E todas elas devem ser bem conseguidas porque só aumentam a probabilidade de obtenção de um processo de adopção de sucesso. E o que sucede é que se continuam a ter bases de apoio deficitárias e a passarem-se muitas vezes por processos ansiosos e de alguma escuridão. Isso também dita o processo de acolhimento. O processo de acolhimento não pode ser visto como determinista. Os passos dados por ambos os lados - os adultos e a criança - são ainda artificiais no seu cuidado e no estudo da natureza do outro. Não considero que hajam momentos mais importantes que outros, tudo faz parte do processo, embora seja esta fase talvez a de maior proximidade e mais preditiva ao nível da concretização da adopção. Mas há que ter cuidado aquando da análise deste periodo e não cair em reducionismos limitadores.


19 wake ups:

Hélio 18 de janeiro de 2009 às 19:41  

Uma excelente entrevista! Uma raridade no panorama da imprensa portuguesa e um exemplo de coragem a seguir... mas isso já tu sabes :)
Beijinho :)

Isabel 18 de janeiro de 2009 às 21:58  

Achei de uma coragem fantástica; és um Ser que deve ter tod o respeito que mereces. Gostei muito.

Beijinho

Rafeiro Perfumado 18 de janeiro de 2009 às 22:27  

Um exemplo, infelizmente tão raro. A maioria dos candidatos a adopção querem um menino, louro e de olhos azuis.

Um beijo.

Sávio Fernandes 18 de janeiro de 2009 às 22:56  

Serviço público, de facto.
Não sei se já te disse mas tu escreves bempracaraças.
Bjs.

Carla 18 de janeiro de 2009 às 23:02  

Um belo exemplo , embora infelizmente raro de acontecer ...

Quanto ao filme, vai ver ...gostei ,embora estivesse à espera de mais !!

bj

Jorge Freitas Soares 18 de janeiro de 2009 às 23:06  

Olá SU

Durante esta semana coloco no blog.

Obrigado

Beijinho
Jorge

José Eduardo 18 de janeiro de 2009 às 23:34  

Obrigado pelo comentário!
E sim, seguir em frente é o (único) caminho a seguir ;)

Anónimo 19 de janeiro de 2009 às 01:15  

A discriminação vai acontecendo todos os dias.
Barack Obama é o primeiro presidente negro dos EUA e daqui para a frente vai ser sempre o primeiro negro a dizer ou a fazer o mesmo que os outros disseram ou fizeram, com a diferença que ele é negro.

O amor disciplina na sua incondicionalidade.
O que isto tem de verdade e de beleza…
No meio desta indisciplina toda que nos rodeia e que parece estar a tomar conta do mundo, apetece perguntar: - e onde é que pára o amor?

Gostei muito!
Beijinho.

Cor do Sol 19 de janeiro de 2009 às 01:57  

Eu já sabia que eras especial, mais uma vez se nota isso :)

Beijo

Malinha 19 de janeiro de 2009 às 10:52  

Su,estou sem palavras...a entrevista está além de muito bem feita,muito bem respondida!!:))
Já dava para ver que eras uma pessoa amorosa e muito corajosa...agora percebe-se que és uma pessoa extraordinária...;)
bjs
_malinha

Anónimo 19 de janeiro de 2009 às 11:07  

Sem palavras. Uma excelente entrevista! Boa semana susanita :)
Beijo

Sam 19 de janeiro de 2009 às 12:45  

e então? conseguiste o emnprego?

Unknown 19 de janeiro de 2009 às 15:40  

Excelente entrevista, excelente serviço público, excelente personalidade...

susana 19 de janeiro de 2009 às 22:50  

Hélio:Obrigada Hélio. O teu carinho é sempre bem vindo por estes lados:)

Isabel:E não somos todos Isabel?:)

Cor-do-sol:

Rafeiro Perfumado: Rafeiro acredita que a realidade já não é tão assim. Conheço vários casais candidatos e outros tantos já pais que não se encontram nesse estereótipo.

Sávio Fernandes: Obrigada Sávio. Eu escrevo e tu "flashas" maravilhosamente bem.

Shakti: Vou ver o filme esta semana depois digo-te alguma coisa:P

Malinha Viajante: Obrigada Malinha:) Um abraço do tamanho do Mundo para ti... olha que eu coro com dificuldade mas esta fez-me corar!:)

Jorge: De nada!

Cão Sarnento: E sabes que hoje há quem festeje a retirada do Bush, em festas especialmente organizadas para tal? Como dizes há uns tempos atrás não acredito em politicos, acredito em corações... Espero que Obama tenho um, preto, branco, vermelho ou amarelo. Porque de facto neste momento o que precisamos é de amor.

José Eduardo: Volta sempre a estes lados!

Nuno Miguel: Uma óptima semana para ti também!:)

Sam: tomara a mim!!!!!

Bento: e mais um comentário de fazer corar!Obrigada.

DANTE 19 de janeiro de 2009 às 23:42  

Ès feliz já vi. Optimo! :)

Jokas :)

O Profeta 20 de janeiro de 2009 às 17:24  

CONVITE

Porque as palavras são tantas, imensas, são ternura o afago, cruéis ou vil loucura. Quando ditas não voltam à boca.

Convido-te a partilhar “ALQUIMIA DAS PALAVRAS” no lançamento do livro com o mesmo nome da autoria de Armando Moreira, que terá lugar no dia 24 de Janeiro de 2009 pelas 21 horas e 30 minutos no Coliseu Micaelense.

O livro será aberto e do seu interior irão brotar canções, histórias e teatrices numa noite em que o feitiço estará presente e será servido por actores, cantores e poetas com a magia da Palavra…


Mágico beijo

NunoSioux 20 de janeiro de 2009 às 19:44  

És um coração doce :)

Mesmo!

Beijo

susana 21 de janeiro de 2009 às 01:00  

Obrigada Nuno:) um abraço forte para ti, menino apaixonado:P

Miepeee 24 de janeiro de 2009 às 17:18  
Este comentário foi removido pelo autor.

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